
- by Joao Paulo
O mundo globalizado em que vivemos cria oportunidade únicas de interação entre diversas culturas e línguas, um acesso ilimitado onde viajamos para um outro país e mesmo sem entender uma palavra, conseguimos nos comunicar, ter uma convivência e ainda assim sentir alguns efeitos deste isolamento involuntário, ainda que este impacto cultural nos traga uma experiência única.
Esta reflexão vai de encontro exatamente a produção da Cinema Scópio e outras associações, “Dormir de Olhos Abertos”, longa brasileiro coproduzido com a Argentina, Taiwan e Alemanha, ganhador do prêmio FIPRESCI na mostra Encounters no Festival de Berlim de 2024, chega aos cinemas hoje (11/09) com distribuição da Sessão Vitrine Petrobras, contando a história da jovem Kai (Liao Kai Ro), que chega de Taiwan em Recife para passar as férias. Sua história entrelaça com a do desconhecido Fu Ang (Shin-Hong Wang), além de descobrir a história de Xiaoxin (Chen Xiao Xin) e um grupo de trabalhadores chineses em um arranha-céu de luxo.
O longa dirigido pela cineasta alemã, Nele Wohlatz (O Futuro Perfeito), é daquelas narrativas que te pegam nos primeiros minutos, pela delicadeza da fotografia, pela sinceridade em capturar o cotidiano de Kai, chegando numa cidade desconhecida como Recife, mostrando o choque cultural de uma língua tão diferente, enquanto o expectador vai se prendendo na história que não tem pressa para acontecer.

O melhor de “Dormir de Olhos Abertos” é mostrar o vazio existencial dos personagens e as possibilidades que se apresentam para se adaptarem a um Brasil que os brasileiros até conhecem, mas para estrangeiros chega a ser muito diferente pela questão de costumes e tradições. Enquanto Kai se vê perdida, encontra as cartas de Xiaoxin, que se entrelaça a sua história criando um outro lado sobre como os chineses tentam a vida em solo brasileiro.
É maravilhoso ver a habilidade de Nele em conseguir trazer nuances simples com enquadramentos não invasivos com uma destreza bastante eficaz que mostra personagens como peixes fora d’água, mas que ao mesmo tempo tentam se encaixar. A cadência narrativa é proposital, mas esteja avisado que o filme pode ser mais lento que o normal e requer paciência.
A recompensa vem exatamente na forma como o filme trata esta globalização e imigração constante de estrangeiros para outros lugares de uma forma delicada e real ao mostrar as dificuldade e desejo de prosperar. Talvez ao intercalar as histórias de Kai, Xiaoxin e Fu Ang torne a narrativa um pouco confusa em alguns momentos, mas o aspecto introspectivo da obra é o que a torna profundamente impactante.
As atuações são bem orgânicas, me senti realmente vendo estrangeiros tentando se enturmar e se adaptar aos brasileiros, mesmo que na maioria dos momentos todos soem perdidos na forma de se comunicar, mas que no final acabam se entendendo. A protagonista Liao Kai Ro é boa no papel de Kai, assim como Chen Xiao Xin no papel da bilingue Xiaoxin.
Os aspectos técnicos do filme chamam a atenção, desde a trilha sonora, passando pela direção, mas a cinematografia é o que mais chama atenção, principalmente por trazer a grandiosidade da cidade de Recife em tomadas lindas que intercalam arranha–céus modernos, aspectos culturais marcantes e as belas praias que tornam a narrativa ainda mais linda de acompanhar.

De uma forma geral, “Dormir de Olhos Abertos” é um filme reflexivo que nos faz pensar sobre o que queremos e para onde vamos. Em muitas cenas, somos levados a uma viagem de beleza, estranheza e solidão, que no final resultam também numa crise existencial que sentimos e as vezes não conseguimos compreender, ainda que próximo de pessoas que amamos e apoiamos.
Com uma direção sólida e uma sensibilidade incrível, este longa produzido por Kleber Mendonça Filho (Bacurau) é daquelas produções indie que merecem ser achadas, uma gema preciosa que se encaixa na galeria dos bons filmes brasileiros lançados este ano, mas com tantas parcerias estrangeiras, se torna um filme do mundo, não só pela temática, mas pelos diversos fatores que o fizeram ser produzido e lançado. E não há nada mais lindo de ser visto do que uma história com apelo universal que emociona do começo ao fim.
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Joao Paulo
Sou Engenheiro Eletricista formado, mineiro, blogueiro nas folgas, super fã de filmes, séries e animes. Apaixonado por Marvel, simpatizante da DC, grande fã de super-heróis no geral. Eu vou ser o rei dos Piratas.