- by Joao Paulo
A situação das empregadas domésticas no Brasil, sempre foi um assunto de muita discussão, sobre direitos e como estas trabalhadoras se encaixam na grande massa de trabalhadores brasileiros. As políticas públicas atualmente melhoraram a situação, mas a herança de abusos e situações análogas a escravidão, vira e mexe são assuntos em telejornais nacionais, mostrando que ainda falta um caminho a ser percorrido para que estas trabalhadoras sejam realmente valorizadas como se deve.
Falo sobre isto para comentar sobre o longa que assisti na 49° Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, a produção da Apiário Estúdio Criativo, coproduzido Surreal Hotel Arts e distribuído por Embaúba Filmes, “Aqui Não Entra Luz”, um documentário escrito e dirigido por Karol Maia, que conta a história de cinco empregadas domésticas em cinco lugares diferentes do Brasil, mostrando seus respectivos cotidianos e como exercem um trabalho tão árduo e muitas vezes longe de ser recompensador para dar sustento as suas famílias.
Este documentário é uma obra pessoal, a diretora é filha de uma empregada doméstica que inclusive é uma das cinco personagens desta narrativa que começa a ser contada em Minas Gerais. Ao ouvirmos os relatos de Rosarinha, entendemos o foco da história em trazer um olhar pelo ponto de vista destas trabalhadoras, que no Brasil são em sua maioria pobres e pretas.

São depoimentos fortes, que chegam a nos deixar desconcertados com tamanha sinceridade e choque, a testemunhar os abusos e sofrimentos que estas mulheres sofreram ao longo da vida, ainda assim encontraram motivos para seguir frente, constituir família e viver de forma mais digna. Talvez o relato mais impactante seja de Chistiane Graciano, conhecida como Chris, empregada doméstica que trabalhava no Rio de Janeiro para uma pastora e sofreu os piores mal tratos que já se tem notícia.
Isto mostra que “Aqui Não Entra Luz” é um documentário que toca na ferida e nos faz refletir como a relação patrão empregada no Brasil é um assunto profundamente delicado e doloroso, mas que precisa ser mostrado e precisa ser discutido. Ao trazer este olhar pessoal para o filme, Karol Maia costura a narrativa principal em torno da sua visão de filha de uma mulher batalhadora enquanto traz os relatos para preencher todo o escopo que precisa contar sobre a realidade do trabalho doméstico brasileiro.
Existe uma sensibilidade neste longa que encanta pelo cuidado técnico que vai desde a fotografia delicada, passando pela edição perspicaz numa montagem precisa que consegue capturar exatamente a visão que a diretora quer mostrar. Karol Maia, inclusive se mostra uma cineasta de apuro técnico bastante preciso, com sua câmera curiosa e observadora, que fica a espreita capturando momentos cotidianos e olhares que vão de pura revolta até uma doce ternura, ao mesmo tempo que equilibra bem o lado dramático com o lado mais bem humorado através do relato destas trabalhadoras do lar.
Tudo isto, é acentuado emocionalmente por uma trilha sonora e mixagem de som que dão ritmo e urgência a narrativa, que através de um roteiro muito bem costurado, consegue traçar paralelos profundos entre o trabalho exercício pelas empregadas domésticas, com o vestígio de uma herança escravocrata de exploração que o filme faz questão de mostrar, em momentos que podem parecer até didáticos demais, mas talvez por isso sejam não menos importantes.

Os depoimentos de Mãe Flor do Maranhão e Marcelina Martins de Salvador, mostrando que em meio a todas as dificuldades, trabalhar de forma digna, ter seus direitos e andar com a cabeça erguida, fazem parte da casca criada por esta mulheres que limpam e cuidam dia após dia, com um desgaste físico tremendo, mas que não deixam de ter seus sonhos, de lutar pelos seus direitos de fazer com que sejam vistas, não apenas como a pessoa que vive num quartinho pequeno, mas um ser humano que merece respeito e dignidade.
Desta forma, “Aqui Não Entra Luz”, se torna um documentário fundamental para mostrar a realidade das empregadas domésticas brasileiras, numa história que emociona em diversos momentos, sempre inserindo um humor inesperado que vem da sinceridade dos relatos, que soam transformadores, inclusive o último de Miriam Mendes, que traz cicatrizes de uma vida de luta, mas também de vitória, conseguindo traçar um paralelo emocionante entre o triunfo da filha em terminar o filme e sua trajetória de sempre está ali para dar suporte e apoio para que este sonho aconteça.
Este longa é triste por trazer uma realidade que ainda merece uma atenção do poder público brasileiro, mas é emocionante por trazer depoimentos de pessoas que são espectro da perseverança brasileira que aqui ganham o centro da história pela lente de uma cineasta que consegue entregar uma das produções nacionais mais simbólicas dos últimos anos com um poder de atingir a massa de uma forma arrebatadora e atiçam nosso senso crítico sobre os direitos das empregadas domésticas brasileiras, mostrando a força da sétima arte como peça de informação e transformação.
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Joao Paulo
Sou Engenheiro Eletricista formado, mineiro, blogueiro nas folgas, super fã de filmes, séries e animes. Apaixonado por Marvel, simpatizante da DC, grande fã de super-heróis no geral. Eu vou ser o rei dos Piratas.
