Review | A Plague Tale: Innocence – Um jogo da peste

Review | A Plague Tale: Innocence – Um jogo da peste

A Plague Tale: Innocence é um jogo de ação e aventura com forte foco narrativo, desenvolvido pela Asobo Studio, ambientado na França do século XIV, em meio à devastação causada pela Peste Negra. A história acompanha Amicia de Rune e seu irmão mais novo, Hugo, enquanto tentam sobreviver à perseguição da Inquisição e aos horrores provocados pela praga, simbolizados por enxames de ratos que dominam vilas, campos e cidades. A experiência combina elementos de stealth, uso de alquimia e resolução de puzzles, apostando em uma progressão linear e em uma atmosfera sombria, onde a sobrevivência depende mais de estratégia e observação do que de confronto direto.

Atenção, esse texto contém spoilers

Minha experiência com A Plague Tale: Innocence foi marcada por uma expectativa muito alta, construída tanto pelas avaliações quanto pela proposta do jogo. A ambientação na França medieval durante a Peste Negra, somada à promessa de uma narrativa sombria envolvendo religião, contágio e perseguição, parecia oferecer uma experiência forte e diferenciada. Em parte, isso se confirma, mas principalmente no campo narrativo, não na gameplay.

É importante deixar claro que A Plague Tale: Innocence não é apenas um jogo de “correr e se esconder”. O jogo permite confrontos diretos. O problema é que eles são extremamente limitados. A maioria dos inimigos é hit kill, especialmente os que atacam à distância, o que reduz drasticamente as possibilidades de enfrentamento. Na prática, o jogo até deixa você lutar, mas deixa igualmente claro que essa não é a escolha “certa” e geralmente pune rápido quem tenta.

Foto/Reprodução: A Plague Tale: Innonence

O que mais me incomodou foi a falta de liberdade, principalmente na exploração. Não se trata de um jogo de decisões narrativas, e isso não é um problema. A questão é a liberdade mecânica: escolher por onde passar, como lidar com os guardas ou qual abordagem usar. Mesmo quando existem caminhos alternativos, eles são tão rasos que quase não fazem diferença. Dá uma sensação constante de “você pode ir por aqui ou por ali”, mas, no fundo, tudo leva exatamente ao mesmo lugar e da mesma forma.

A alquimia começa como um dos sistemas mais interessantes do jogo, mas vai perdendo força rapidamente. A Luminosa é um bom exemplo: cria um ponto de luz para afastar os ratos e funciona bem, mas acaba cumprindo praticamente a mesma função de outros recursos baseados em… luz. Na teoria, cada composto tem uma lógica própria; na prática, a sensação é de variações do mesmo truque.
O Somnum, por outro lado, é um dos poucos momentos em que o jogo realmente acerta: ele é forte, eficiente e claramente pensado para situações críticas. O problema (e aqui vai um elogio que vira crítica) é que o custo é alto, o que dificulta upar ferramentas e força o jogador a pensar antes de usar. Isso seria ótimo, se os upgrades realmente valessem a pena. Mas não valem. No meio do jogo, muitos upgrades já se tornam pouco úteis, e upar acaba sendo surpreendentemente fácil. O sistema parece prometer profundidade, mas é mal aproveitado.

Falando nos ratos, que deveriam ser o grande centro do jogo, senti uma inconsistência clara. Em alguns momentos, eles ficam eternamente concentrados em um corpo, uma isca ou um pedaço de carne; em outros, se dispersam rápido demais, sem um padrão claro. Isso enfraquece tanto a estratégia quanto a sensação de ameaça. Além disso, senti falta de uma atmosfera mais claustrofóbica. Os ratos deveriam causar pânico constante, mas raramente geram esse medo. Faltam ambientes mais apertados, fontes de luz mais frágeis e aquela sensação de que um passo errado significa morte imediata.

Foto/Reprodução: A Plague Tale: Innonence

A exploração é outro ponto fraco evidente. O jogo até flerta com a ideia de algo mais aberto e tenta criar a sensação de um “lar” por meio do Château, onde podemos expor os itens encontrados durante a exploração, quase como um espaço de conquista e memória da jornada. O problema é que voltamos a esse Château pouquíssimas vezes — algo em torno de quatro ao longo de todo o jogo —, o que impede qualquer tipo de vínculo real com o lugar. Ele existe, mas nunca se consolida como um espaço seguro ou significativo. Isso reforça a sensação de que os desenvolvedores chegaram a planejar uma estrutura mais aberta, talvez até um mundo mais explorável, mas desistiram no meio do caminho. Não há incentivo real para explorar: os caminhos são limitados, a liberdade é mínima e, na maioria das vezes, a recompensa simplesmente não compensa o esforço.

Os personagens secundários também sofrem com isso. Cada um tem uma função específica, mas quase sempre obrigatória e pouco criativa. Alguns existem basicamente para abrir portas ou mover objetos e você aperta o botão e pronto, resolveu. Não importa onde você está, não importa como chegou ali. O único personagem que realmente faz diferença mecânica é Rodric, que consegue derrubar inimigos e facilitar muito o avanço. Justamente por isso, sua morte pesa — não só narrativamente, mas porque o jogo perde uma das poucas dinâmicas que realmente mudavam o ritmo.

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Narrativamente, o jogo funciona muito bem. A relação entre praga, sangue, contágio e fanatismo religioso é interessante e bem construída. Existe um clima que lembra Resident Evil 4 ambientado na Idade Média/Vilarejo rústico: todos te odeiam, querem te matar, há uma religião, uma figura obcecada por poder e um medo constante do “infectado”. Esse conjunto sustenta o jogo e é, sem dúvida, o seu maior mérito.

O Hugo, inclusive, funciona dentro dessa lógica. Ele é uma criança de 4 ou 5 anos, e o jogo não tenta transformá-lo em algo que ele não é. Esperar maturidade, racionalidade ou combate ativo seria incoerente. O comportamento confuso, carente e emocionalmente instável faz sentido e, nesse aspecto, o jogo acerta. Ainda assim, os trechos em que jogamos com ele acabam sendo pouco interessantes mecanicamente e quebram o ritmo, funcionando mais como uma pausa do que como um desafio real.

Foto/Reprodução: A Plague Tale: Innonence

No fim, A Plague Tale: Innocence não é um jogo ruim. A história é forte, a ambientação é muito bem construída e há boas ideias espalhadas por toda parte. O problema é que muitas delas ficam pelo caminho. A jogabilidade é limitada, a exploração é fraca, sistemas promissores se tornam redundantes e a sensação constante é de um jogo que quis ser maior do que acabou sendo. Não é uma experiência que me deu vontade de rejogar, embora A Plague Tale: Requiem pareça corrigir parte dessas falhas, especialmente ao tornar Amicia mais ativa, o que me anima um pouco mais.

No fim das contas, é um jogo que se sustenta muito mais pelo que conta do que pelo que permite jogar.

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Nathalia Souza

Artista, tradutora, animadora, programadora e ainda com formação em mecâtronica e marketing, sou uma menina que não sabe bem o que quer da vida. Emo de carteirinha, vivo indo em shows e eventos para aumentar minha coleção de memórias. Vivo no mundo da lua, e talvez seja por isso que me considero astronauta.

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