- por Joao Paulo
Estamos no fim do mês da Consciência Negra, mas ainda vale ressaltar o quão importante foi o dia 20 novembro para a comunidade negra brasileira. Um feriado nacional voltado para pessoas pretas não só exaltando nosso herói Zumbi dos Palmares, mas servindo como forma de reafirmar nossa negritude racialmente e culturalmente falando, um momento reflexão que agora tem mês e data oficial.
É por esta e outras que documentários como o elogiado e premiado “Razões Africanas” são importantes para mostrar esse retrato mais sensível e intimista da cultura negra em sua totalidade, ligando três ritmos diferentes perpetuando legados advindos do continente africano, como: o blues no Mississipi nos EUA, a rumba em Havana em Cuba e o jongo no Rio de Janeiro.
O longa documental escrito e dirigido por Jefferson Mello é um ensaio rico que foca em três culturas diferentes do continente americano, resgatando a história reforçando a negritude desses países que tiveram em sua origem a escravidão com pessoas negras trazidas da África, carregando consigo uma herança que reverbera até os dias atuais.
Este resgate é o ponto forte do filme, que me causou um impacto visual impressionante, não só na forma como captura momentos em três linhas narrativas distintas que parecem não ter nada em comum, mas que no final das contas estão intimamente ligadas, muito pela a forma como se tornam resistência e força de sobrevivência num meio que considerava ritmos como blues ou rumba, coisas do demônio, sem entender a beleza tribal enraizada de canções e danças que resgatam forças ancestrais que o documentário expressa de forma primorosa através das suas imagens.
O mais lindo de “Razões Africanas” é deixar a narrativa fluir na intenção de que os relatos das pessoas envolvidas se tornem um complemento ao que está sendo mostrado em tela, não algo que corte a imersão. Mello é atento aos detalhes, é assim que o cineasta entrega entrevistas comoventes como da brasileira Lazir Sinval que representa o jongo de uma comunidade da Serrinha, no Rio de Janeiro, bem como a cubana Eva Despaigne, símbolo da rumba e o estadunidense Terry ‘Harmonica’ Bean, representante do blues, mostrando suas vivências passadas e cotidianas.
Ao mesmo tempo que entendemos que estes três arcos mostram como foi difícil para que estes estilos musicais fossem aceitos pela sociedade, o documentário nos leva de volta a África onde busca a origem de cada musicalidade em países como República do Mali, República do Congo e Angola, é assim entendemos que existe uma reparação histórica em curso por parte do longa em mostrar como a música é importante socialmente, politicamente e reflete exatamente a identidade cultural rica destes lugares.
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Não existe uma linearidade na forma como a narrativa é conduzida, então talvez o expectador desatento se perca um pouco na forma como as três linhas se intercalam, mas os olhos mais atentos vão entender como o poder do blues nos EUA, tem seus acordes vislumbrados com instrumentos quase artesanais na República do Mali, por exemplo, ou como o Jongo no Rio de Janeiro, se assemelha as danças típicas da República do Congo, ou como a rumba em Cuba, tem muito do que representa as batidas na Angola, reforçando exatamente essa ancestralidade como um elo espiritualmente forte para estas comunidades negras.
Da mesma forma que o documentário desvenda a origem dos ritmos, somos também levados à reflexões importantes sobre preconceito e racismo através dos séculos nestas regiões do continente americano, que infelizmente parecem se assemelhar na forma como a sociedade criou uma rejeição as cantigas e ritmos africanos, antes de posteriormente aceita-las, sendo assim, muitos escravos usavam essas manifestações como arma para escapar ou criar uma resistência as atrocidades que sofriam, o que liga com o fato de muitas pessoas pretas ao longo de décadas abraçarem a musicalidade do blues, jazz, samba, rap, com forma não só de ter voz, mas como símbolos de uma luta racial incessante.
Por tudo que foi comentado aqui, “Razões Africanas” é uma bela produção, tecnicamente impecável e com uma sensibilidade incrível, além de ser um produto riquíssimo que vale a pena ser conferido se você gosta do gênero. Em tempos de “Consciência Negra”, este documentário é um presente que além de ser uma experiência visual única, também é um exemplar que possui um aspecto sensorial que traz os acordes refinados do blues passando pelos batuques rústicos da rumba, terminando com o som maravilhoso dos tambores do jongo, mostrando a força da negritude de uma forma linda, cheia de ritmos e cores em um verdadeiro arrebatamento cultural.
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Joao Paulo
Sou Engenheiro Eletricista formado, mineiro, blogueiro nas folgas, super fã de filmes, séries e animes. Apaixonado por Marvel, simpatizante da DC, grande fã de super-heróis no geral. Eu vou ser o rei dos Piratas.