- por Eu, Astronauta
Apesar do sucesso inegável da franquia Marvel nos cinemas ter agraciado desde seus heróis mais obscuros (quem era Homem de Ferro realmente antes de Robert Downey Jr.?) até os carros-chefes da casa (Capitão América, Homem-Aranha, Hulk), pode-se dizer que o raio do filho de Odin não bateu igualmente em cima da maioria de seus vilões. Mesmo que, numa comparação superficial, os vilões do Universo Marvel nunca tenham sido de fato tão badalados ou populares quanto os internos do Asilo Arkham ou o CEO dos luxuosos prédios de escritórios das empresas Luthor, não dá para deixar passar o fato de que, em sua maioria, os vilões apresentados no Universo Marvel sempre deixaram um pouquinho de sua essência nos quadrinhos antes de dar as caras na tela grande. Com essa essência, muito de sua graça ou ameaça se perdeu também.
Se por um lado essa atenção pouco confortável aos vilões e vontade de desenvolver muito mais a origem dos heróis é um dos acertos que compõem a tão comentada fórmula Marvel, por outro, com o cansaço da repetição, hoje em dia, se reclama muito mais da pouca ameaça que os vilões na Marvel geralmente oferecem. A gente não teme de fato pelos heróis, eles sempre parecem mais confortáveis em seus poderes, mais à vontade em sua própria história, melhor delineados em suas motivações, em geral, mais preparados para encerrar o filme num ponto alto de sua carreira, enquanto os vilões são facilmente esquecidos numa sequência.
O tempo de tela e a necessidade da fórmula em manter quase sempre o correr do filme em apenas duas horas certamente é um fator que explica a questão. Thanos, apesar das diferenças em sua adaptação, teve tempo de se formar e de explicar suas motivações, o que criou uma expectativa inteligente e moderada, tornando-o um vilão de fato, uma presença que assusta e acanha, que faz o público temer por seus personagens preferidos (no caso, da maioria desses heróis, temer por suas vidas pela primeira vez).
O tempo de tela não perdoa tudo, no entanto. Em Pantera Negra, um vilão foi criado quase que do nada e conseguiu dar certo. A questão talvez seja que a fórmula ajuda, mas também limita. E é disso que vamos falar na lista que se segue. Cinco vilões do universo Marvel que poderiam ter tido tudo, mas não foi bem assim que aconteceu.
MANDARIN
Criado em 1964 por Stan Lee e Don Deck, o Mandarim é talvez o inimigo mais clássico do Homem de Ferro e sem dúvida o mais poderoso. Poderia ter sido, pelo menos. No original, o Mandarim é um governante vingativo e impiedoso, que tomou o poder para si na força e na injustiça, dizimando os que se opunham ao seu poder com as habilidades de seus dez anéis (que, embora pareçam ter origem mística, são, na verdade, tecnologia alienígena encapsulada).
Cada anel lhe concede um poder diferente, um mais apelativo do que o outro. Na mão esquerda, temos explosão de gelo, controle da mente, rajadas elétricas, manipulação de radiação e chamas, manipulação da própria gravidade e também criação e emissão das diversas formas de energia ao longo do espectro eletromagnético. Na mão direita, temos controle da escuridão, desintegração dos átomos, controle dos ventos, emissão de feixes de impacto e reorganização da matéria.
Consegue imaginar o Homem de Ferro de Robert Downey Jr. tendo que bater de frente com isso? Os roteiristas de Homem de Ferro 3 também não. A verdade é que o Mandarim como personagem e vilão, foi criado em tempos muito mais simples. Pelo bem da verossimilhança do cinema atual, a origem do personagem foi quase que completamente descartada para a adaptação. Embora o subtexto de vingança contra as potências ocidentais permaneça, o filme, muito mais pé no chão em sua composição, deixa de lado praticamente tudo da tecnologia alienígena e nos entrega uma piada (de mau gosto, alguns diriam) em seu lugar.
No filme, o Mandarim é um ator, uma representação ensaiada de uma ameaça que nem vem dele de fato (na verdade, ele nem tem muita noção de onde a ameaça vem). Uma encenação propositalmente caricata e abobalhado entregue pelo competente Ben Kingsley, quase um alívio cômico em forma de reviravolta no ato final, seus anéis são apenas adereços para compor o figurino, o esperado confronto com o Homem de Ferro é sim o ponto alto do filme, do humor do filme, pelo menos.
Diferente da maioria, eu, na verdade, gosto bastante de Homem de Ferro 3. Como filme, um roteiro competente. Como desfecho da trilogia de origem do Universo Marvel, uma apoteose sincera e mais focada na jornada do personagem principal (que na época ainda era o personagem preferido de todo mundo, não essa repetição enjoativa e onipresente dos dias atuais).
Se havia um filme certo para deixar o vilão meio de lado, era mesmo Homem de Ferro 3, e os roteiristas preferiram assim. Se o Mandarim fosse corretamente adaptado, Thanos nem seria necessário para ameaçar metade da existência. Era poder demais para uma história que estava apenas começando. Eu ainda acredito que esse personagem, em sua forma mais coerente deve aparecer depois, quando o terreno estiver fixado adequadamente.
Quando isso acontecer, me pergunto o que eles vão fazer para passar por cima do problema de se colocar o Homem de Ferro, o justo ocidental norte-americano, defendendo a América, a adorável América, terra da liberdade, do chinês malvado e totalitário, com seus planos ambiciosos de ameaçar o capitalismo liberal.
DORMAMMU
Dormammu é um ser místico que pode ser considerado um dos mais poderosos do Universo Marvel, nos filmes ele CONSEGUIU ser apenas um rosto flutuante e estranho. A tentativa de mostra-lo ameaçador até pode ter sido válida, mas a forma como Doutor Estranho contorna o vilão, foi tão ridícula que ele perdeu completamente a seriedade e se tornou uma das cenas mais cômicas e que infelizmente é a mais lembrada do filme. Não foi uma barganha justa!
Cinco minutos de tempo de tela, uma nuvem de CGI e absolutamente zero motivações. Por que ele quer a nossa dimensão? Ele quer dominar o universo, mas para isso ele teve que destruir a Terra? Ele está apenas com fome de poder ou apenas fome de almas? Realmente não saberemos tão cedo. Zero pontos de originalidade.
ULTRON
A questão de Ultron é que ele deveria ter sido um personagem profundo. A discussão em torno do personagem é tão filosófica e pertinente que nem teria mesmo lugar num filme de duas horas para divertir toda a família, mas, mesmo assim, não tinha que ter sido uma tragédia.
Originalmente, Ultron foi criado por Hank Pym para ajudar a tornar o mundo um lugar melhor. Vocês devem conhecer Hank Pym como o Homem Formiga, mas ele sempre foi mais interessante como cientista do que como super-herói, mas, como veremos a seguir, ele é capaz de fazer merdas nas duas profissões (bem como em sua vida doméstica, sendo, diga-se de passagem, um agressor de mulheres). Enfim, um robô com um único objetivo tão claro, o que poderia dar errado? Como qualquer criatura provida apenas de lógica e nenhuma compaixão, ficou logo evidente para Ultron que para melhorar o mundo nada mais simples e mais justo que eliminar a humanidade. Eu não discordo, mas também não quero morrer, então, nasce um impasse.
A questão de Ultron não é ser um vilão malvado, mas na verdade alguém tentando fazer o melhor e a gente ficava no meio de uma discussão moral que fazia sentido, não uma coisa qualquer de heróis musculosos chegando e derrubando o mal encarnado no soco. Isso era histórias em quadrinhos em sua forma mais evoluído, menos maniqueísta, mais madura, com discussões interessantes para cada época.
Em Vingadores: Era de Ultron, os problemas começam quando se precisa reproduzir uma boa ideia (porém complexa) com o máximo de atalhos possível. Acho que até Joss Whedon já sabia que não tinha como dar certo (ele também sabia que sua missão na vida era destruir todo o trabalho que Zack Snyder fez em Liga da Justiça, mas quis fazer mesmo assim, então não é o homem mais sensato do mundo).
No filme, Ultron foi criado por Tony Stark (com um certo auxílio de Bruce Banner). Outro caso da força do Universo Marvel também se tornando sua maior fraqueza, é como se tudo nessa história precisasse mesmo girar em torno do Homem de Ferro, o que atrai público para o cinema, mas também cria certo entraves para a história, porque Ultron aqui é um menino birrento e chorão se revoltando contra as amarras do pai (e da mãe, se o Hulk de Bruce Banner ainda vale de alguma coisa à sombra de Tony Stark).
Os diálogos são melosos e cheios de pastiche e toda a filosofia se resume a uma metáfora malfeita de Pinóquio querendo se tornar um menino de verdade. No fim, a impressão que fica é que Ultron não queria realmente eliminar a mazela do mundo, mas ser tão mau quanto os homens. Era mais um caso de inveja e vingança do que de clareza e justiça. A relação edipiana genialmente construída no original entre o vilão e Hank Pym vira apenas rastro para o Gepeto canastrão de Tony Stark e um Pinóquio com tanta motivação quanto seu Grilo Falante (ou menos, posso estar sendo injusto com o Grilo e ninguém quer isso).
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Ultron nem é carismático o suficiente para que a gente compre sua jornada de erradicação, nem ameaçador o suficiente para que a gente realmente tema em algum momento pela saúde dos heróis (a bala perdida que atinge a peça mais rápida do tabuleiro era tão sem lógica que nem dava para prever, muito menos sentir ansiedade com antecedência pela vida do Mercúrio).
RONAN, O ACUSADOR
Guardiões da Galáxia foi a parte inusitada do MCU. Talvez de todas as histórias, o grupo de personagens estranhos de raças e planetas diferentes foram tão bem representados que calorosamente conquistaram espaço no coração de quem não conhecia. Ele também nos mostrou que os filmes da Marvel podem atingir todos os tons emocionais.
Mas como pode um filme bom nos apresentar um vilão tão… faltam palavras para expressar a decepção… tão bosta/inútil/ridículo/miserável e qualquer outra coisa que vocês queiram adicionar aqui. Pois é meus amigos, aqui veremos um tutorial de como desperdiçar o Lee Peace em um filme by Marvel.
Ronan é um fanático religioso que se revolta com seu povo Kree por conta de um tratado de paz, então decide iniciar uma guerra de cunho racial que envolve boa parte da galáxia. Vocês já pararam para pensar no quanto isso seria interessante de ser retratado? Clichê, mas interessante. Pelo menos o personagem teria a chance de expor claramente suas motivações e não só se passar por um maluco que se diz ruim (porque também não nos foi mostrado nada de tanta maldade que o nomeia de O ACUSADOOOOR *música de suspense*). Talvez, mas não me pega. Podemos dar a ele o Oscar de vilão mais descartáveis do MCU.
Acho que quando a Marvel notou tal desperdício, até tentaram reverter a situação colocando Ronan no filme da Capitã Marvel, mas tudo continuou mais do mesmo. Ele basicamente só ficou fazendo volume numa tentativa de atrapalhar os heróis e criar alívios cômicos.
LOKI
Com o Deus da Trapaça também não foi diferente. Os filmes nos apresentaram um vilão como o criador da bagunça, sem objetivos bem definidos, sendo só mais um peão no jogo – que até poderia dar um xeque-mate, mas ao invés de avançar casas e capturar peças, ficou só fazendo volume e sendo eliminado da forma mais ridícula e “heroico”. Em Vingadores 1 até temos um pequeno desempenho do personagem, mas quando ele volta em outros filmes, temos curvas, curvas e mais curvas que traz para frente o lado “amigável”, que podemos até definir como se fosse uma criança travessa: faz arte, mas tem bom coração.
Vocês se decepcionariam se eu dissesse que Loki não é nem 10% do que ele poderia ser? Pois é… Nos quadrinhos ele é considerado uma das entidades mais poderosas e estrategistas do reino de Asgard e o título de Deus da Trapaça também não é à toa. Ele é um dos vilões mais imprevisíveis – que nos filmes de “imprevisível” não teve nada, até o próprio Thor pegou qual era a onda do irmão adotivo. Loki está presente em muitas histórias sombrias da Marvel, podendo ser causadas por ele mesmo ou aproveitando o embalo nas costas de outros vilões. Em algumas histórias, ele até consegue viajar no tempo para alterar indiretamente a formação dos Vingadores.
Apesar de tudo, cá entre nós, Loki é um dos vilões mais queridos do MCU. Tom Hiddleston caiu como uma luva no papel e conquistou o coração de todos. Não é atoa que foi o vilão que mais teve aparições e, consequentemente, ganhou uma série no Disney+. Só nos resta saber se fará realmente jus ao personagem.
Enquanto a gente aguarda ansiosamente por novos vilões e mais caos, não esqueça de deixar aqui nos comentários quais os vilões que poderiam ter sido, e não foram.. e também nos siga no instagram
Texto feito em conjunto por Raphaela Vieira e Ramon Vitor.
(Texto feito antes da nova era dos Vingadores)
Eu, Astronauta
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