Como manter a inocência em meio a escuridão? Existem tempos onde é difícil imaginar a possibilidade de se cultivar uma boa infância. Mas mesmo nessas épocas, pode-se encontrar força e coragem, não só para enfrentar os problemas do cotidiano como também resistir à obstáculos maiores. No caso desse filme, à Segunda Guerra Mundial.
Nesse texto, quero trazer um apanhado geral da história e falar mais de momentos e recursos utilizados na animação que eu gostei e também para qual público é mais indicado.

Totto-chan: a menina da janela, dirigido por Shinnosuke Yakuwa, baseado no livro das memórias mais íntimas e pessoais da atriz e apresentadora Tetsuko Kuroyanagi. Distribuído pela SATO Company no Brasil, no longa nós acompanhamos a vida pacata e costumeira da garotinha Tetsuko, apelidada carinhosamente pelo seu pai de Totto-chan. Ela havia sido expulsa de uma escola por conta de sua hiperatividade, e por conta disso, era considerada uma menina problemática. Por conta disso, sua mãe a leva numa instituição de ensino diferenciada.
O lugar usa vagões de trem para fazer as atividades, que também são mais flexíveis. Nesse ambiente Totto-chan é acolhida da forma que é, e consegue desenvolver laços e um bom convívio com outros alunos. Porém, ela cria uma relação especial com Yasuaki, um garotinho mais introvertido, que adora ler e tem poliomielite, o que acaba deixando ele mais limitado em algumas situações.

Enquanto vamos acompanhando o passar dos dias da infância de Totto-chan, vemos aos poucos a história perder o foco em dias tranquilos para a turbulência da guerra. Tudo começa com uma menção discreta no rádio até que o trabalho do pai de Totto-chan, que é violinista, acaba sendo afetado. Sua mãe também chega a ser parada na rua por conta das roupas que vestia, e a família começa a tomar mais cuidado com a forma que fala para não serem acusados de espionagem. A escola da garota também passa por recessos até ser bombardeada durante a evacuação da cidade.
Lidando com o luto
Enfrentar a perda de alguém querido nunca é uma tarefa fácil. Durante a trama, nossa protagonista passa por isso duas vezes. A primeira é com um pintinho. Durante um festival, antes das vivências dos personagens serem ofuscadas pela guerra, Totto-chan faz pirraça para que os pais comprassem um pintinho pra ela.

Eles explicam para ela que ele é um animalzinho muito frágil e que tinham medo dela se decepcionar. Mesmo assim ela insiste até que consegue seu novo pet. No dia seguinte, ela deixa ele numa gaiola, com tudo o que ele precisa e vai para a escola. Na volta pra casa, encontra ele morto, e os pais fazem um enterro junto com ela. Ela divide esse acontecimento com Yasuaki, que diz a ela que provavelmente o pintinho se tornou um anjo e que ela vai encontrar com ele de novo.
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Outro momento em que isso acontece é com o próprio garoto, que acaba falecendo por conta da sua doença. Em determinada parte da história, já com a guerra mais presente, os dois amigos estão de férias e passeando pela chuva enquanto cantam. Eles acabam levando uma bronca de um soldado e os dois encontram uma maneira de continuarem “cantando” sem fazer barulho, baseado numa coisa que aprenderam na aula de música.

No mesmo dia, eles conversaram sobre o que estavam lendo. Yasuaki contou sobre um livro de um escravo que, apesar de todo o preconceito que enfrentava, era forte e não desistia do que era importante para ele. Totto-chan ficou envergonhada ao dizer qual era o que ela lia: “A noiva gasosa”. Antes de se despedirem, Yasuaki deixou seu livro com Totto-chan, que prometeu devolver quando terminasse de ler. Durante esse período, muitas coisas aconteceram, até que um dia, na volta às aulas, o diretor da escola anunciou que Yasuaki tinha falecido. No velório, Totto-chan conversou com ele, disse que ainda iria encontrá-lo de novo e agradeceu por todos os momentos que passaram juntos. Essa cena contrasta com imagens da guerra: soldados na rua, pessoas em luto pelos parentes mortos, homens com partes do corpo faltando e outras imagens semelhantes.
Um pouco sobre a estética
Apesar da animação ter aquela carinha clássica de anime 2D, com os personagens em cores mais sólidas e mais destacados e um fundo numa ilustração mais detalhada, alguns momentos foram mais disruptivos e trouxeram uma proposta estética interessante.
Logo no começo, Totto-chan assim que chega na escola vagão, se perde em seus pensamentos e imaginação. Nessa parte, a animação fica bem mais lúdica, com cores vibrantes e um traço que parece feito com lápis de cor, tanto no cenário quanto na animação, criando uma harmonia entre eles. Outra cena que também tem uma proposta mais suave, mas ainda assim mais parecida, é quando Yasuaki vai para a piscina e sente seu corpo bem leve. Aqui o estilo fica bem solto, mais em aquarela.

Na virada do ano de 1940 para 1941, a paleta de cores fica menos saturada, com cores mais suaves porém trazendo um peso, que costuma ser aplicado quando o roteiro começa a trazer mais dificuldades no enredo.
A animação também fica mais lúdica na cena em que Totto e Yasuaki estão na chuva, mas desta vez, só a iluminação dos postes na rua que muda. Um outro estilo que aparece é mais melancólico, representando um pesadelo da Totto-chan. Nesse momento, misturam cenas do livro sobre a escravidão que o pai leu antes dela dormir, cenas da guerra e uma separação entre ela e Yasuaki, onde ela tenta salvá-lo, mas ele afunda no gelo. Essa parte parece um stop motion.

Veredito final: vale a pena? Para quem indico?
O filme prendeu a minha atenção do início ao fim. Eu senti a emoção, o drama e o carinho em cada segundo. Apesar de tratar de assuntos bem carregados, como discriminação e preconceito, o luto e a propria guerra em si, ele faz isso de uma maneira muito leve e reconfortante, de que em algum momento tudo aquilo vai passar e que as coisas irao melhorar. Eu fiquei bem envolvida com a personagem principal, ela tem uma personalidade muito encantadora.
Recomendo o filme para vários públicos diferentes, crianças conseguem assistir (a partir de 10 anos claro, respeitando a classificação indicativa), quem é fã de animes num geral e Ghibli também vai adorar. Mesmo quem não gosta muito de animação pode aproveitar o interesse em acontecimentos históricos para poder refletir e jogar o impacto da guerra nas rodas de conversas.
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Gabriele Miranda
Audiovizueira pela FAPCOM, adquiri habilidade de fazer bonecos se mexerem pelo Senac Lapa Scipião. Multi-instrumentista e guitarrista na banda Antena Loka, sou pan, vegana e gateira. No tempo livre, estou jogando em algum emulador, andando de patins ou criticando o capitalismo. Talvez eu encontre algum planeta onde me sinta melhor.
